Apure os ouvidos ao andar pelas ruas de Ouro Preto. Sem muito esforço e alguma imaginação é possível ouvir os sussurros conspiratórios, os ideais subversivos, as intrigas palacianas... Os paralelepípedos cobrem um chão sagrado, abençoado pela história. E onde há história há interesses dicotômicos, que se chocaram violentamente pelas ruas de Vila Rica.
Felipe dos Santos e Pascoal Guimarães foram os primeiros a enfrentarem a autoridade da Coroa. Eram mineradores e se revoltaram contra a instalação das Casas de Fundição e a cobrança de 20% de todo ouro recolhido (chamado Quinto). Detinham certa influência e mobilizaram militares, mineradores, clero e parte do povo.
A Sedição de Vila Rica, como ficou conhecida a revolta, foi duramente reprimida. Pascoal foi condenado e teve sua propriedade incendiada. A pena de Felipe dos Santos foi mais severa: enforcamento. Outros estudiosos alegam que seu corpo foi amarrado a cavalos e arrastado pelas ruas, para depois ser esquartejado. O horror gerou um nó na garganta que mais tarde ganharia a força de um grito de liberdade.
A Coroa não soube dosar a medida de sua autoridade. é certo que não podiam ser complacentes, uma vez que deveriam perpetuar o controle de Portugal sobre a colônia rica e distante milhares de quilômetros. Exerciam um controle sobre homens rudes, talhados pelas crueldades recíprocas, ambições desmedidas e aspereza de um lugar belo mas hostil. Também havia aqueles que não queriam pagar imposto algum e se aproveitavam da situação para conquistar a simpatia da sociedade. Vila Rica não teve infância. Cresceu rápido demais. A Coroa sabia disso: parecia prever a efemeridade de seu poder. Era preciso ganhar o máximo em menos tempo possível.
O ouro vazava por todas as frestas. O contrabando faz deduzir, com certeza quase absoluta, que muito mais ouro foi retirado do que consta nos registros oficiais. Muitos esconderam na fé o resultado do ardil. Igrejas com altares suntuosos, santos do pau-oco; tudo era permitido aos que escondiam seus ganhos. Não demorou para que as minas demonstrassem exaustão. Na contramão do fato, a nobreza portuguesa aumentou os impostos, garantindo os lucros dos tempos de opulência. Contestavam o declínio alegando o aumento constante no número de mineradores e dos recursos cada vez maiores empregados na atividade. Não convenceram. Cresceu o sentimento de insatisfação.
Por volta de 1783 a produção já tinha caído consideravelmente e continuava a cair. O Iluminismo e outros pensamentos europeus ecoaram na mente dos formadores de opinião. Poetas, juristas, militares, padres e até setores do poder constituído se envolveram num movimento libertário. Queriam Minas livre de Portugal, queriam uma universidade, queriam indústrias... A gota d'água era a Derrama, a cobrança acumulada de todos os impostos atrasados, sem levar em conta o esgotamento das minas.
O ápice se deu em 1789, entretanto não chegou a eclodir como o planejado. Houve traições e a denúncia de Joaquim Silvério dos Reis. Pessoas importantes recuaram e negaram envolvimento. Poucos foram condenados e entraram para a história como "inconfidentes", um nome depreciativo.
O processo-crime, denominado "Autos da Devassa", foi aberto. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi o único a declarar abertamente participação. Permaneceu preso por três anos, assim como os outros inconfidentes. Também foi o único condenado à morte, sendo enforcado em 1792 e seu corpo esquartejado e espalhado pelos caminhos de Minas. Os demais foram exilados na áfrica.
O poeta Cláudio Manuel da Costa foi encontrado morto na prisão. Declararam que fora suicídio(?). A cabeça de Tiradentes foi exposta em plena Vila Rica. Sumiu misteriosamente e nunca foi encontrada. Seu paradeiro suscita muitas versões, mais um pitada de sabor nas histórias de Ouro Preto. No local onde estivera o poste (atual praça Tiradentes) se encontra hoje um monumento ao Mártir. A estátua em bronze de Tiradentes está de costas para o palácio do governador. Desdenha da opressão do poder. O movimento não foi em vão: o Brasil se tornaria livre três décadas depois. Inconfidente deixou de ser xingamento; virou sinônimo de liberdade.