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Matéria - São João Del Rei

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Traição e Tradição na "quase" capital

Texto e Foto: Marcelo JB Resende. REPRODUÇÃO PROIBIDA.



Como é comum às cidades barrocas mineiras, São João Del'Rei nasceu da febre do ouro. Se no ínicio era apenas caminho (para as fabulosas minas de Vila Rica, Sabará e Mariana), acabou se tornando também um destino e um eldorado. No ribeirão São Francisco Xavier foram encontradas as primeiras pepitas. Veios dourados carrearam levas de afortunados às encostas da Serra do Lenheiro. Muitos bandeirantes resolveram parar no meio do caminho, formando o primeiro núcleo povoado, lá pelos idos de 1704. Dali começa uma rica história, que mistura traição e tradição, dominação e liberdade... 




O limiar do século XVIII revelou um cenário de sonho para a ambição humana. Bandeirantes paulistas (depois portugueses e diversos forasteiros) adentravam terras douradas que, de tanta riqueza, viriam a ser chamadas de "As Minas Gerais". Desde o final do século XVII a região já era ocupada, existindo ali o Porto Real da Passagem (no temido rio das Mortes, para recolhimento de tributos e controle de mercadorias), administrado por Tomé Portes Del'Rei (considerado por muitos o fundador da São João Del'Rei). Imagine a emoção, para exploradores cansados e maltrapilhos, encontrar ali um rio de fundo dourado, onde o ouro reluzia nas margens, tão perto do alcance das mãos. Deve ter sido esta a visão do paulista Lourenço Costa, o primeiro a descobrir o ouro na região (1704). Todos acorreram ao ribeirão, cuja exploração aurífera foi distribuída aos que chegavam. E foram muitos.

 

Alguns anos mais tarde, o português Manoel José de Barcelos foi empurrado para o sul, onde encontrou mais ouro na encosta da Serra do Lenheiro, num local conhecido à época como Tijuco. Foi ali que se estabeleceu a primeira povoação chamada Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, depois Arraial Novo do Rio das Mortes. Mas um simples "arraial" era pouco para um terra tão próspera. Já em 1713 a localidade é elevada à vila, com a denominação de São João Del'Rei, uma "singela" homenagem ao "dono" de tudo aquilo, o rei de Portugal, dom João V. Em 1714 é nomeada sede da Comarca do Rio das Mortes.



Rua Santo Antônio (das casas tortas), das mais antigas da cidade.

Paulistas (descobridores das minas) de um lado, e portugueses (conterrâneos do rei) e forasteiros, de outro, não se entendiam. Brigavam não apenas pelo ourro, mas também por comida (o abastecimento entrou em colapso devido à grande migração). Estava plantada a semente da discórdia, cujo primeiro grande fruto foi a Guerra dos Emboabas. Os portugueses (e seus aliados forasteiros, notadamente nordestinos migrantes) eram chamados  pejorativamente de emboabas (aves com penas nas pernas) pelos paulistas, pois usavam calças e botas. O conflito (1707 - 1709) se espalhou pelo rio das Velhas (Sabará), Vila Rica (atual Ouro Preto) e o rio das Mortes (São João Del'Rei).

 

A região de São João Del'Rei foi palco de uma das passagens mais dramáticas da disputa, quando paulistas (já rendidos) foram massacrados no episódio que entrou para a história como "Capão da Traição". Conta-se que foram traídos pelos emboabas, que haviam lhes garantido, após rendição, um salvo conduto para que retornassem à São Paulo. Os emboabas "parecem" ter mudado de ideia, e emboscaram. Não há um número certo, mas os mortos são contados às centenas. Na verdade nenhum dos dois lados eram "flor que se cheire", viviam de escaramuças. Por ouro e comida não se brinca, guerreia.


A vila de São João Del'Rei soube pensar além do ouro e tornou-se, já no século XVIII, um importante centro agrícola e pecuário. Nota-se que, diante da fome que assolou Minas Gerais no início daquele século, surgiu com ela ótimas oportunidades de negócios. Grandes fazendeiros chegavam a ter mais dinheiro que os proprietários de minas. Essa conjunção ouro/gêneros alimentícios manteve a prosperidade da vila mesmo a partir de 1750, quando a produção do metal amarelo começou a declinar em toda a província.

 

Entretanto, crise é crise. Na abundância é mais fácil conter ânimos e saciar, de alguma forma, a todos. Na escassez é que o "bicho pega". Em franca decadência, a produção de ouro não arrefeceu a gana de Portugal, que aumentou a fiscalização e a tributação do metal. Foi neste contexto que vários setores intermediários e da elite colonal mineira começaram a conjurar contra o domínio português. Estava montado o ambiente para a Inconfidência Mineira. Se lograsse êxito o movimento, a nova capital de Minas Gerais seria a vila de São João Del'Rei, o que apenas reforça sua importância política e econômica estratégica. Mas tudo não passou de um sonho que se desfez em 1789. 


No século XIX a cidade manteve sua vocação mercantil e política. Em 1827 surge o Astro de Minas, o segundo jornal de Minas Gerais naqueles tempos. A vila consolida-se como importante entreposto comercial, centro onde se encontrava de tudo, até mesmo produtos importados (um grande luxo para a época). Em 1838, já com o Brasil independente, a fervilhante vila passa à condição de cidade. Contava com banco, hospital, biblioteca, teatro, cemitério fora do núcleo urbano (uma inovação), além de correios e iluminação pública (a querosene). Forma-se ali uma rica elite política, com influência direta nos rumos não só de Minas, mas do Brasil nos séculos XIX e XX.

 

O esplendor oitocentista se dá em 1881, com a inauguração da primeira seção da Estrada de Ferro Oeste de Minas, que liga a região à estrada de ferro Central do Brasil (e consequentemente a importantes centros urbanos em São Paulo e Rio de Janeiro). Em 1893 é instalada a Companhia Industrial São Joanense de Fiação e Tecelagem. Tudo isso coloca a cidade como forte candidata a sediar a nova capital de Minas Gerais, disputa que perdeu para o antigo e até então quase inexpressivo arraial Curral Del'Rey. Embora os arredores de São João Del'Rei (Várzea do Marçal)  tenham sido aprovados, em primeira discussão, como nova capital pelo Congresso Mineiro, pesou contra o local sua condição de área alagadiça, sujeita a infiltrações e com lençol freático muito superficial. Curral Del'Rei sediou então a Cidade de Minas (1897), mais tarde rebatizada Belo Horizonte. Esta talvez seja a maior frustração são-joanense em sua profícua história.



Rua Getúlio Vargas (antiga Direita).


Casa da inconfidente Bárbara Heliodora.


Matriz de N.Sra. do Pilar, padroeira da cidade.


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